Páginas

domingo, 4 de outubro de 2020

O Carteiro nas Montanhas



Drama chinês O Carteiro nas Montanhas (Na shan na ren na gou, 1999) de Huo Jianqi proporciona reflexão ao narrar uma viagem extraordinária de pai e filho, numa passagem de bastão, envolvendo inclusive questões culturais numa espécie de road movie à pé. 

O longa narra a história de um homem que passou a vida entregando correspondências, em uma região montanhosa da China, e que agora é forçado a aposentar-se por problemas de saúde. A expressão "de pai para filho", é muito conhecida e usual, provavelmente também seja universal.

O filme começa quando o carteiro está preparando e ordenando as correspondências com seu filho de 24 anos que, no dia seguinte, passará a fazer o mesmo trabalho. Tudo deve ser meticulosamente classificado e embalado para não ocorrerem equívocos, omissões e dificuldades com o mau tempo que poderia danificar as correspondências.

Na manhã seguinte, o filho se prepara para a viagem. É uma rota longa e acidentada e a viagem levará três dias. Ele será acompanhado pelo cachorro da família, conhecedor profundo do caminho porque sempre esteve ao lado do pai, auxiliando-o em uma série de funções. Mas, o cão não quer seguir o filho e o pai resolve acompanhar o jovem.

O filho é o narrador “in off” do filme. Durante o percurso, ele vai nos relatando seus sentimentos em relação ao pai. Procura competir com ele, relutando em descansar para que o pai não note a sua fragilidade e, por isso, decide parar apenas quando o genitor se cansar. Chega até mesmo a sugerir que o velho retorne à casa.

Quando menino, fora criado por sua mãe porque o pai estava ausente por longos períodos. Por causa dessa educação distante, diz que não sabia o que conversar com o pai. Tinha medo dele, embora nunca tivesse sido surrado. Era uma sensação muito estranha, diz o jovem, porque sentia saudade dele mas temia-o sem saber por quê. Muito raramente o chama de pai. A caminhada representa, portanto, o mais longo período de tempo em que passaram juntos.

Na trama, vemos a passagem literal da função desempenhada pelo carteiro, aquele que irá sucedê-lo em sua jornada, uma espécie de rito à tradição de uma cultura quase extinta. A cultura do respeito, da reverência e do reconhecimento aos valores do seu semelhante, adquiridos ao longo dos anos de trabalho, sacrifícios e estradas percorridas, invariavelmente sinuosas e acidentadas. A associação da viagem como forma de operar uma incursão ao autoconhecimento é muito oportuna.

A caminhada pelas montanhas provoca uma mudança na vida dos dois personagens. Em um dia, o filho vai pouco a pouco descobrindo facetas do pai que até então desconhecia. O pai, que parecia inacessível e distante, mostra-se um homem sábio como portador de boas e más notícias, cultivador de muitas amizades, conselheiro compreensivo de muitos, querido e respeitado por todos, que desempenha papel importante na ligação dos habitantes locais com o mundo exterior. E, sobretudo, sente-se orgulhoso do filho que herdou sua posição. E o filho agora descobre o significado humano do trabalho exercido pelo pai.

A fotografia deslumbrante e a simplicidade com que atuam os protagonistas dessa quase metáfora sobre o sentido da vida, dão à obra do cineasta chinês Jianqi Huo o merecido status de cult entre os chamados filmes de arte. O filme tem seus dramas complicados ou paradoxos da existência humana; a beleza do cenário se articula com a beleza contida nas conversas, nas pequenas histórias humanas e nas lembranças do pai com respeito ao seu casamento e a sua vida passada com a família. E agora o pai vê o filho se interessar uma jovem das montanhas — o mesmo que havia ocorrido com ele décadas atrás.

Segue trailer de O Carteiro nas Montanhas: 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Isso! Comente! Faça um blogueiro feliz!